Eva Laranjeira no Motorsport Hoje da VMotores
Não há muitas mulheres no automobilismo e o Campeonato de Portugal de Montanha JC Group não é exceção. Gabriela Correia é porventura o rosto feminino mais conhecido da competição, mas há outra piloto a subir as rampas deste país. É Eva Laranjeira, originária de Setúbal mas a residir no norte.
Fomos conhecer melhor quem é esta ‘volante’ da MNE Sport, terceira na Taça de Portugal de Montanha 1300, após uma época conturbada devido à pandemia, mas “muito interessante e muito gratificante” para a própria. “Foi um desafio que me foi lançado”, começa por explica Eva, referindo-se à forma como chegou à modalidade. “Numa fase inicial fiquei um pouco apreensiva. E refleti se devia ‘abraçar’ o desafio ou não. E não podia estar mais feliz por ter aceite, e fiquei feliz. Embora o fecho da época tenha sido esta obra de arte ali exposta, foi muito positivo e estou obviamente muito feliz por ter terminado no terceiro lugar da Taça”, afirmou apontando para o capô do seu carro danificado na Rampa da Arrábida.
O marido da piloto da MNE Sport, José Carlos Magalhães, foi quem ‘pegou o bichinho’ dos automóveis a Eva Laranjeira. “Fiz umas experiências com o José ao lado. Umas ‘brincadeiras’ e desafiei-o a fazer umas provas, umas super-especiais. E aquilo acabou por despertar em mim uma curiosidade extra, que até à data não tinha. Depois com o desafio que ele me lançou, foi o juntar de dois pontos que fez com que este ‘bichinho’ se tornasse em algo mais, que me fez dar o passo para me sentar ao volante”, explica.
Eva Laranjeira tomou alguns cuidados neste início de carreira, pois “é muito fácil quem inicia se entusiasmar”. E acentua: “Fui sempre recordando isso, tendo sempre o apoio da equipa, porque tem mais experiência, para me dar uma linha de orientação, para refrearmos um bocado aquilo que é o entusiasmo natural que possamos ter. Obviamente que há sempre um trabalho contínuo que devemos ter. Há muitas cautelas que temos que manter”.
A estreia em Murça
A Rampa Porca de Murça foi um momento marcante para a piloto sadina, pois foi a sua estreia na Montanha. O nervosismo era enorme, mas Eva não o mostrou: “Tenho uma capacidade de exteriorizar pouco. Aparentemente estava calma. Mas obviamente que não estava. Foi um turbilhão de emoções. Um nervoso miudinho. Quando saí da assistência, sentada no carro e em direção à linha de partida , não pensei em nada. Ia com o objetivo de chegar, arrancar e tudo mais. Quando me vi parada, a olhar para as luzes vermelhas, a saber que iam passar para verde e tinha de arrancar, por momentos pensei; o que é que estou aqui a fazer? Que loucura !”.
“Mas no momento em que a luz passa a verde… não sei. Há algo em nós que nos munimos de uma concentração. E foi o que eu fiz. Pensei no objetivo final. Quis chegar ao fim naquela primeira subida. Pensei em tudo o que o José me tinha dito quando nós passamos na rampa para treinar, em todas as linhas de orientação que ele também me tinha dado. Aqueles pequenos detalhes…. No poste metes aquela mudança… Aqui travas… Aqui aceleras. Portanto tinha tudo isso na cabeça. Aquela questão de nós decorarmos a rampa. Um principiante, por mais que possa acreditar que consiga decorar, ao fim da segunda curva já não sabia onde estava. Eram aqueles pontos de referência…e quando cheguei ao fim era um sentimento de adrenalina e de missão cumprida. Ficará sempre gravado para mim aquela rampa, porque foi a primeira. Digo sempre que aquela rampa é a minha preferida, embora não tenha feito muitas. Foi o início de um desafio, de um projeto e nunca me esquecerei desse primeiro dia”, recorda a piloto da MNE Sport.
A segunda prova de Eva Laranjeira foi a Rampa Serra da Estrela, onde foi encontrar o ponto mais alto de Portugal Continental e também um percurso extenso: “Foi uma prova muito positiva. Tivemos muito tempo parados entre a primeira rampa e a segunda e isso, para mim que era uma estreante, não ajudou muito. Por isso o sentimento na primeira subida era quase como se estivesse a começar outra vez. Era como fosse tudo novo. A rampa é lindíssima. O percurso é fantástico. Adorei a rampa. Gostei do facto de ser um pouco mais longa do que as outras. Foi muito desafiante. Senti-me muito bem com aquilo que fiz. Avalio-me muito pessoalmente. Muito mais do que olhar propriamente para o ‘ranking’ e para os tempos. Desafio-me a melhorar em cada subida. E isso foi um objetivo que consegui atingir na Serra da Estrela. Foi superar-me sempre em cada subida. Terminei a rampa muito satisfeita com aquilo que tinha feito”.
Correr em casa e acidente
Depois competir na terra que a viu ‘nascer’ no final do campeonato, na Rampa Pêquêpê Arrábida, acabou por ser especial para Eva. “Foi muito gratificante ter a possibilidade de correr. Com a diminuição de provas sei que o Clube de Motorismo de Setúbal fez um esforço enorme para conseguir levar avante a realização da rampa. E fiquei muito feliz quando percebi que efetivamente a rampa ia existir e que ia à minha terra-natal, a um sítio que eu conheço, fazer aquilo que hoje em dia é uma paixão, que é correr na montanha”, sublinha. O evento começou bem: “Tive no primeiro dia de prova um misto de sentimentos. O que prevalecia era o facto de estar em casa. Estava muito feliz por estar a fazer aquela rampa”.
Depois uma saída de pista deixou as suas marcas, sobretudo nos rails, já que a piloto saiu ilesa do seu Fiat Uno, cujo capô amolgado acabou por ser um ‘souvenir’ do acidente. “Foi logo na primeira subida de domingo. Obviamente que as condições atmosféricas estavam diferentes. Ia com alguma cautela, porque o piso estava molhado. E numa das curvas, já quase no final, quase a chegar à meta, tive uma pequena distração de trajetória, e ao tentar corrigir o carro fugiu-me de traseira, fiz ‘chicote’. Não tive margem para qualquer reação e embati nas barreiras de cimento que ali existiam. E terminou assim a minha subida nessa curva número 16 do percurso”.
O facto de, mesmo apesar do acidente, levar para casa o troféu de terceira classificada da Taça 1300 significa para Eva Laranjeira “o dever cumprido”. Pois aceitou o desafio que lhe foi colocado e ainda por cima no pódio do campeonato. “Por isso não podia deixar de me sentir extremamente feliz. Obviamente que isso me traz muito alento para 2021, que me traz mais determinação. Claro que é uma satisfação enorme partilhar este sucesso com o resto da equipa. Sei que para ela também é gratificante, porque me apoiaram muito, me incentivaram muito, porque me ajudaram muito neste percurso. E obviamente que este resultado não é mérito só meu. É mérito de um conjunto de pessoas, que faz parte da equipa MNE Sport”.
Mudar para o Grande Punto
Para próxima época a piloto sadina vai fazer um ‘upgrade’, mudando para um mais moderno Fiat Grande Punto. Levando a ‘brincar’ um pouco com o acidente da Rampa da Arrábida. “Por acaso não”, responde sobre a provocação de que teria sido uma forma de pedir a José Carlos Magalhães um carro novo. “O plano traçado – até porque este ano deveríamos ter oito rampas – era de continuar em 2021 com o Uno. Para ter a evolução gradual. A evolução que para mim faz sentido, e seria lógica. Com o que aconteceu na Rampa da Arrábida tivemos que reestruturar aquele que era o nosso plano inicial. E tivemos de decidir o que iríamos fazer em 2021. E efetivamente o carro vai ser diferente, e vai ser um novo desafio, uma nova aprendizagem, mas na qual estou extremamente confiante”, explica Eva Laranjeira.
Sobre o Grande Punto a utilizar na próxima época a piloto da MNE Sport diz tratar-se de “um carro mais robusto, muito bem preparado, tem uma ‘coque’ Abarth. É um carro que correu com a equipa italiana, vem muito bem preparado, tem excelentes travões. Tem tudo aquilo que consideramos necessário e fundamental em termos de segurança”. Sendo que Eva reconhece que “traz alguns desafios, porque é mais pesado”. Também salienta: “Vou correr nos 1300 e isto acresce o desafio, porque vai ser uma aprendizagem. Mas é um carro que nós já conhecemos bem. Com um chassis fantástico, que me vai ajudar, garantidamente, a evoluir, espero eu, com alguma rapidez”.
O facto de cada vez mais mulheres ‘abraçarem’ o automobilismo é visto por Eva Laranjeira como uma situação natural. “Acho muito positivo. Não existe nada que seja só de homens nem que seja só de mulheres. O automobilismo na minha opinião não é diferente”, frisa a piloto. Que refere também: “Obviamente que vemos uma esmagadora maioria de homens neste desporto, mas vão aparecendo cada vez mais mulheres. Fui muito bem recebida neste meio. Fui muito acarinhada por todas as pessoas. Em todas as provas em que estivemos tive sempre o privilégio de me darem muito apoio, muito entusiasmo, sempre com uma energia muito positiva. E isso também destaca a ‘família’ da montanha, em que temos uma proximidade um bocado diferente. Quando cheguei senti isso ‘na pele’. Algo de que ouvia falar, mas que não tinha sentido antes, mas que efetivamente este ano senti”.
Mãe, gestora, piloto e a MNE Sport W
Ser mãe, gestora e piloto é algo que Eva aprendeu a conciliar ao longo deste conturbado ano de 2020. Algo que admite nem sempre ser fácil. “É um desafio. É preciso um ritmo muito elevado. É preciso sermos muito focados, muito organizados. Conciliar a vida profissional com a vida familiar, com o desporto automóvel é uma gestão minuciosa de minutos ao longo do dia. Mas em termos profissionais tenho uma realidade muito positiva, que me permite de alguma forma facilitar esta gestão em termos de tempo. Familiarmente somos um furacão, com uma energia muito própria e é isso que efetivamente nos alavanca para conseguirmos ter disponibilidade, energia e vontade de nos dedicarmos a esta paixão do desporto automóvel”, observa.
Uma das novidades para o futuro da MNE Sport é o facto do projeto poder vir a contemplar mais senhoras. Uma ideia que piloto de Setúbal explicou: “Delineei e partilhei a ideia com a equipa, que a ‘abraçou. Eu, enquanto mulher que entrou no automobilismo, penso muito e estou sempre a magicar uma série de coisas e surgiu a ideia de criar uma equipa feminina. Porque não ‘abraçar uma fação que está desequilibrada, entre homens e mulheres, e acho muito interessante que eu sendo mulher desenvolver um projeto – e ele está definido, inclusive no tempo, porque não é algo que se consiga fazer de um dia para o outro – que é criar a MNE Sport W, de Women. E isso será a base de todo o trabalho”. “Nós temos os meios para que isso aconteça. E o objetivo é buscar senhoras/meninas que já tenham alguma noção de automobilismo, do karting, por exemplo, e trazê-las para a nossa equipa. E até 2025 eu quero ter efetivamente a MNE Sport W, com uma equipa constituída por mulheres”, refere também.
Eva Laranjeira está para já a competir na Montanha, mas acredita que no futuro poderá “dar uma perninha” noutra especialidade do automobilismo. “A minha rampa de lançamento foi a Montanha. Há outras modalidades que me suscitam alguma curiosidade, que gostava de experimentar. Por isso sim, sem dúvida, que no futuro irei experimentar algo mais”.